Uma abordagem científica interdisciplinar para construir futuros florestais sustentáveis

24/10/2025
As florestas amazônicas estão ameaçadas pelas mudanças climáticas, pelo desmatamento e pela degradação, além do desenvolvimento de monoculturas. Para preservar esses territórios, os seres humanos e as florestas que os habitam, bem como o equilíbrio climático global que deles depende, é necessário compreender as transformações em curso e (re)pensar novos imaginários e formas de governança que levem em conta as expectativas locais e as dinâmicas globais, com base nos princípios da justiça social e ecológica. O Cirad, em colaboração com seus parceiros institucionais e comunidades locais, explora as transformações socioecológicas e tenta repensar os usos e a governança dos territórios para responder aos desafios de um mundo em transição. Silvicultura inovadora baseada no plantio de espécies nativas, prospectiva participativa e governança regenerativa: há muitas pistas a serem estudadas.
Paysage forestier, ferme de São Nicolau à Cotriguaçu, Mato Grosso, Bésil © Cristina Rosero
Paysage forestier, ferme de São Nicolau à Cotriguaçu, Mato Grosso, Bésil © Cristina Rosero

Paysage forestier, ferme de São Nicolau à Cotriguaçu, Mato Grosso, Bésil © Cristina Rosero

Clima, biodiversidade, justiça social: a Amazônia no centro das questões globais

À medida que a COP30 se prepara no Brasil, a Amazônia representa os principais desafios da nossa época: clima, biodiversidade e justiça social. A Amazônia abriga uma das maiores sociobiodiversidades do mundo, resultado de uma coevolução entre os sistemas ecológicos e as sociedades humanas que os habitam. A Amazônia não escapa às ameaças das mudanças climáticas e da exploração predatória de seus recursos, que alteram profundamente os equilíbrios sociais e ecológicos da região, colocando em risco a própria sustentabilidade de sua sociobiodiversidade.  Nas últimas cinco décadas, o desmatamento reduziu a cobertura florestal da Amazônia brasileira em 17 a 20%. A isso se soma a degradação das florestas, principalmente por incêndios que, há mais de uma década, afetam áreas mais extensas do que as afetadas pelo desmatamento. Esses fenômenos são acompanhados por degradações sociais marcantes, nas quais a concentração fundiária, a perda de autonomia das comunidades e o aumento da violência relacionada ao extrativismo refletem as fraturas de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração intensiva dos recursos. Portanto, é urgente imaginar novos caminhos. Para isso, o Cirad e seus parceiros propõem uma pesquisa aplicada e interdisciplinar para construir territórios florestais sustentáveis, justos e enraizados nas realidades locais.

Promover uma governança sustentável das áreas florestais da Amazônia

Os territórios amazônicos estão no centro de dinâmicas complexas, onde se entrelaçam especulação fundiária, desmatamento, degradação, incêndios, expansão agrícola e recomposição dos usos. As frentes pioneiras, moldadas por décadas de exploração de recursos, desenham hoje mosaicos de paisagens em constante evolução, misturando florestas, pastagens e culturas. Compreender as trajetórias dessas paisagens, suas origens, suas transformações e seus possíveis futuros é essencial para antecipar os pontos de inflexão ecológicos e sociais que ameaçam a resiliência da região.

 

Mosaïque de paysage, Paragominas, Pará, Brésil © René Poccard, Cirad

Mosaïque de paysage, Paragominas, Pará, Brésil © René Poccard, Cirad

É necessária uma abordagem integrada, à escala da paisagem, para identificar os fatores biofísicos, econômicos e sociopolíticos que orientam essas transições e avaliar as condições para uma governança sustentável que concilie conservação, justiça social e bem-viver. Articular análise espacial, prospectiva e governança local permite imaginar trajetórias viáveis para os territórios amazônicos do futuro. Diante das limitações dos modelos atuais, torna-se necessário ir além da simples “silvicultura social” e da visão que consiste em pensar a floresta acima de tudo como um espaço de produção, para repensar as relações entre florestas, territórios e comunidades, a fim de construir uma verdadeira gestão territorial social.

Uma abordagem multidisciplinar que associa ciências sociais, economia e prospectiva participativa permite co-construir visões compartilhadas da floresta como espaço de vida, identificar alavancas e bloqueios e propor novos modelos de governança mais justos, ancorados nos territórios e voltados para o futuro.

Exploração florestal seletiva: um modelo a ser repensado diante dos desafios climáticos

Na Amazônia, grande parte da madeira necessária para atender à crescente demanda provém de florestas naturais, graças à exploração florestal seletiva, uma técnica de gestão que consiste em cortar algumas árvores de espécies comerciais por hectare antes de deixar a floresta se regenerar naturalmente durante várias décadas. Nossos trabalhos recentes na Amazônia mostraram que as regras atuais de exploração limitam a capacidade das florestas naturais de sustentar sozinhas a demanda local por madeira. Além disso, é necessário que os modos de produção de madeira integrem as questões de resiliência às mudanças climáticas, conservação da biodiversidade e contribuição para o bem-estar e a subsistência das populações, diversificando os sistemas silviculturais e integrando os usos materiais e imateriais provenientes dos territórios florestais. A exploração florestal seletiva na Amazônia enfrenta grandes incertezas quanto à sua sustentabilidade em um contexto de mudanças climáticas.

Para garantir uma gestão sustentável, é fundamental compreender e modelar a resposta das florestas, das reservas de madeira, do carbono e da biodiversidade aos efeitos combinados da exploração e dos extremos climáticos, a fim de identificar as práticas de gestão que favorecem a recuperação pós-exploração e propor estratégias adaptadas aos novos desafios climáticos e socioeconómicos.

Diversificar as práticas de produção de madeira

As plantações de espécies nativas despertam um interesse crescente, oferecendo uma alternativa sustentável à exploração seletiva das florestas naturais e às monoculturas de espécies exóticas. Esses sistemas permitem conciliar a produção de madeira, a valorização da biodiversidade e a adaptação às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que reforçam a resiliência das paisagens florestais amazônicas. No entanto, sua implantação continua sendo prejudicada pela falta de conhecimentos ecológicos, tecnológicos e sociais. O Cirad está atualmente desenvolvendo trabalhos interdisciplinares sobre essas plantações, tanto no Brasil quanto na Guiana, com o objetivo de preencher essas lacunas e construir em conjunto referências técnicas e sociais para tornar as plantações de espécies nativas um pilar da silvicultura tropical. Por fim, as florestas secundárias e degradadas representam um potencial importante, mas ainda subestimado e desconhecido, para responder aos desafios da produção sustentável e da restauração ecológica.

 

Referências

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