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Quando os agricultores familiares ensinam agrofloresta na universidade
Módulo de formação numa comunidade rural: além do grupo de estudantes, a “sala de aula” está aberta a todos os habitantes da comunidade © I. Moreira, Refloramaz
- Diferentes sistemas agroflorestais coexistem nos arredores de Belém. Algumas agroflorestas são muito ricas em biodiversidade, com cerca de 70 espécies de árvores por hectare.
- Uma especialização universitária com diploma “Refloramaz” reuniu durante dois anos estudantes, agricultores já envolvidos na agrofloresta e pesquisadores para trocar experiências e construir juntos novos conhecimentos.
- Os participantes agora divulgam as práticas agroflorestais em maior escala por meio de um fórum e uma série de workshops organizados até a próxima COP do clima, que acontecerá em Belém em novembro de 2025.
Para um número crescente de agricultores no nordeste paraense, associar árvores à agricultura ou à pecuária tornou-se uma prática transformadora. Esta região, no estado do Pará, está entre as primeiras a sofrer desmatamento na Amazônia brasileira. Os solos estão cada vez mais degradados, o que dificulta a produção de alimentos para os povos e comunidades tradicionais da região. No entanto, as árvores, embora tenham sido negligenciadas pela agricultura durante muito tempo, têm um enorme potencial para restaurar os ecossistemas, seja para fertilizar os solos, reter água, criar um microclima favorável e atrair insetos polinizadores. Os sistemas agroflorestais, que combinam árvores e culturas agrícolas, parecem, portanto, ser soluções particularmente adequadas tanto para restaurar essas terras degradadas quanto para garantir a segurança alimentar das comunidades.
Sistemas agroflorestais em todas as suas formas
Desde 2016, equipes científicas franco-brasileiras estudam os diferentes sistemas agroflorestais que florescem no nordeste paraense. A pesquisa permitiu inventariar mais de 400 iniciativas de pequenos agricultores familiares. Entre produções voltadas para a exportação, como o cacau, e culturas alimentares que combinam várias dezenas de espécies por hectare, a agrofloresta da Amazônia brasileira se mostra particularmente diversificada.
Em um raio de 300 km ao redor de Belém, é possível distinguir dois modelos agroflorestais principais. O primeiro, mais comercial, associa o cultivo de cacau à palmeira de açaí. Esse modelo geralmente conta com menos de dez espécies de árvores por hectare e consome muitos insumos químicos. Trata-se de um sistema agroflorestal voltado para os mercados e a exportação, cada vez mais apoiada pelas políticas públicas. O segundo modelo é o das agroflorestas ultradiversificadas, que às vezes abrigam cerca de 70 espécies diferentes de árvores por hectare. Elas são mantidas por comunidades amazônicas indigenas, quilombolas e e de pequenos agricultores, principalmente para alimentar as famílias. Em vez de usar insumos, esses agricultores mobilizam uma grande diversidade de plantas de serviço.
Nas agroflorestas mais diversificadas, os agricultores falam de florestas alimentares: a concentração de espécies permite, de fato, a comparação com uma floresta, mas as espécies escolhidas atendem às necessidades das comunidades. Além da produção de alimentos, encontram-se cacau e açaí, que são vendidos, mas também plantas medicinais ou espécies para a produção de madeira. “Alguns agricultores têm um conhecimento muito profundo das espécies, mas também das associações benéficas entre as árvores, explica Émilie Coudel, socioeconomista do Cirad. Por exemplo, eles plantam árvores para atrair abelhas nativas e aumentar a polinização das espécies frutíferas, ou outras árvores para repelir insetos indesejáveis.”
Combinar conhecimentos tradicionais e científicos
A formação ministrada pelo grupo Refloramaz, “Restauração ambiental e sistemas agroflorestais na Amazônia”, teve como objetivos a troca entre as diferentes práticas agroflorestais existentes e a circulação de conhecimentos tradicionais e acadêmicos. “Esta formação incidiu precisamente na valorização do papel preponderante dos agricultores familiares, dos povos da Amazônia, tanto quilombolas como povos indígenas, nas ações de restauração florestal", sublinha Livia Navegantes, professora da Universidade Federal do Pará.
Graças à seleção de perfis variados, de diversas comunidades amazônicas, agricultores, técnicos, professores de escolas rurais e líderes de movimentos sociais, a formação permitiu valorizar e compartilhar práticas de sistemas agroflorestais adaptados à realidade amazônica nos territórios do leste do Pará. “A troca de conhecimentos foi excelente dentro do nosso grupo, afirma Justiniano, jovem agricultor familiar de Paragominas. Cada região tem sua própria maneira de plantar e produzir, pudemos trocar muitos conhecimentos.”
Os estudantes com experiência acadêmica puderam reforçar seus conhecimentos práticos e os estudantes com perfil mais técnico puderam se familiarizar com o mundo acadêmico. “Além dos professores que ensinavam, explica Justiniano, havia os colegas que nos apoiavam, especialmente quando se tratava de termos técnicos, essas palavras muito técnicas que não entendíamos, eles sempre nos ajudavam, nos explicavam”.
Avant de commencer le cours, je n’avais aucune idée de ce qu’était l’agroforesterie. Nous la pratiquions sans le savoir sur notre terrain. Lorsque cette opportunité s’est présentée, que j’ai fait des recherches et que j’ai vu que c’était quelque chose sur lequel je travaillais déjà de manière inconsciente, cela a éveillé mon intérêt.
Justiniano explica também que alguns agricultores mais experientes em sistemas agroflorestais puderam ensinar várias técnicas aos demais alunos do curso: preparar os pés de bananeira, plantar margaridão (Tithonia diversifolia), considerado por muitos como nocivo, para servir de fertilizante para o solo, ou ainda como preparar mudas de mandioca para favorecer a germinação. Ao reunir técnicos, estudantes universitários e agricultores, essa especialização apostou em uma educação inclusiva, baseada no diálogo, no compartilhamento de conhecimentos e na capacitação de todos.
Uma formação, mas acima de tudo um grupo de líderes camponeses em agrofloresta
A formação “Restauração ambiental e sistemas agroflorestais na Amazônia” é uma formação universitária oferecida pela Universidade Federal do Pará, pela Universidade Federal Rural da Amazônia, pela Embrapa e pelo Cirad entre 2024 e 2025, no âmbito do projeto SUSTENTA & INOVA, financiado pela União Europeia. Em formato itinerante, ofereceu 10 sessões de formação sobre diversos temas, desde a saúde dos solos, a seleção genética ou como podar árvores, até questões relacionadas com a transformação alimentar, a organização coletiva e as políticas públicas. Ela foi encerrada em abril de 2025 com a entrega dos diplomas, durante um seminário pré-COP intitulado “Restauração socioambiental e justiça climática: protagonismo dos povos e comunidades locais da Amazônia”, realizado na Universidade Federal do Pará, em Belém. O grupo de estudantes continuará a trocar ideias em um fórum lançado para a ocasião, e ações do fórum estão previstas no âmbito do projeto FEFACCION, financiado pelo Ministério da Europa e dos Negócios Estrangeiros da França, até o final de 2025. »
A universidade ao encontro dos territórios amazônicos: pesquisa por todos e para todos
Com uma superfície de 1.247.689 km², ou seja, mais do que o dobro da França, o Pará é o segundo maior estado do Brasil. Embora abrigue quatro universidades federais e duas universidades estaduais, o acesso ao ensino superior continua sendo um grande desafio para grande parte da população, especialmente nas comunidades rurais e isoladas. A formação Refloramaz se destaca por sua abordagem inovadora: em vez de ser ministrada em campi universitários, ela foi implantada em comunidades localizadas no leste do Pará, onde vive parte dos alunos selecionados. Concebida sob a forma de módulos que alternam ensino teórico, intercâmbios participativos e prática, esta formação também convidou os membros das comunidades locais a participar nas sessões, promovendo assim uma aprendizagem coletiva e enraizada nas realidades do território.
“Fizemos uma série de trabalhos coletivos, mutirões, para implantar sistemas agroflorestais nas comunidades, que chamamos de laboratórios vivos. Assim, essas experiências permanecem lá, com os erros, os sucessos, as plantas que crescem, a vida que se desenvolve, e podem servir de exemplo para outros agricultores que também desejam ter uma referência em agrofloresta em suas comunidades”, explica Livia Navegantes.
Difusão de conhecimentos pelos estudantes nas comunidades
A fim de garantir a circulação de conhecimentos e maximizar o impacto da formação, os estudantes foram selecionados com base no seu envolvimento na comunidade ou em organizações sociais. No total, 19 organizações sociais estiveram representadas na formação através dos estudantes.
“Nosso objetivo ao montar essa formação ia muito além do compartilhamento de conhecimentos, queríamos acima de tudo montar uma rede de ‘restauradores’, confia Émilie Coudel. Tínhamos encontrado líderes muito envolvidos em suas comunidades, que tinham muitas ideias e propostas, mas que não se conheciam. Queríamos realmente que eles pudessem se encontrar, trocar ideias, descobrir outras maneiras de fazer e, a partir daí, que pudessem propor coletivamente às prefeituras ações a serem realizadas e ao Estado prioridades para as políticas públicas. Essa é a força do grupo Refloramaz: eles têm uma força de proposta que vem da base, a partir das demandas reais dos agricultores, ao mesmo tempo em que mantêm contato com a universidade para ganhar credibilidade aos olhos dos tomadores de decisão públicos, que entenderam isso muito bem e os ouvem.”
Muitos estudantes recém-formados desejam hoje compartilhar os conhecimentos adquiridos durante a formação. Miquele Silva, agricultora familiar e membro do Movimento Feminista das Mulheres do Nordeste do Pará (MMNEPA), explica: “Sou membro do MMNEPA e a formação me ajudou nessa proposta de diálogo com as mulheres do movimento, para garantir que as práticas dos sistemas agroflorestais permaneçam na minha região, mas também sejam disseminadas nos territórios de outras mulheres.”
Instaurar dinâmicas de restauração ambiental e sistemas agroflorestais no estado do Pará
Os estudantes formados constituem hoje uma rede de líderes especializados em questões agroflorestais no contexto amazônico e que desejam dar continuidade às reflexões coletivas e às demandas em matéria de políticas públicas levantadas durante a formação. Para isso, eles decidiram criar o Fórum Popular de Agrofloresta da Amazônia como um espaço de discussão e convidaram várias instituições para participar: secretarias do Estado do Pará, instituições de assessoria técnica, associações, tribunal do trabalho. Os temas prioritários do fórum são:
- implantação de sistemas agroflorestais,
- fortalecimento dos mercados,
- transformação de produtos,
- regularização fundiária,
- busca de financiamento.
Ao criar um espaço de troca que reúne instituições políticas, administrativas, judiciais e organizações da sociedade civil, os participantes do fórum esperam construir em conjunto dinâmicas de restauração ambiental e sistemas agroflorestais em todo o estado do Pará.
Promover formações transversais para construir soluções inovadoras e resilientes
Ao oferecer formações transversais e abertas a diversos perfis de estudantes, a universidade pode ser um motor na criação de soluções para as questões relacionadas com as mudanças climáticas.
Não existe uma resposta única e não se pode esperar uma resposta apenas da ciência, a menos que seja uma ciência cidadã, uma ciência feita com as comunidades, feita com a sociedade, para construir essas alternativas. Em termos de legado, o curso e o projeto como um todo trabalham muito com a valorização do saber e a troca de conhecimentos.
A formação Refloramaz mostra que é possível inovar, dando espaço aos agricultores na universidade e cruzando diferentes tipos de conhecimentos. É o que descreve Katia Silene Tonkyre, primeira mulher cacique do povo indígena Akratikatejé, convidada a participar do seminário final da formação, organizado na Universidade Federal do Pará: “Hoje trazemos um pouco da nossa experiência de vida, de compartilha, e também viemos em busca de novos conhecimentos. Vamos pegar o que é bom como modelo para investir em nosso território. O que não é bom, deixaremos aqui. Estamos aqui para nos enriquecermos mutuamente. Se unirmos nossas forças, venceremos.”